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Locações por curto período de tempo ou para temporada nos condomínios residenciais

Nos casos dos Condomínios com destinação exclusivamente residencial, há notícias de alguns condôminos-proprietários que estão realizado várias locações em curto espaço de tempo (ex. 1, 2, 3 dias ou para um final de semana), locando o imóvel para diversas pessoas, estranhas ao condomínio, semelhante ao que ocorre nas estadias em hotéis, flats e pousadas.

Este tipo de locação ou hospedagem tem ocorrido com frequência, estimulado por empresas que administram essas estadias em sites de buscas na internet.

Grosso modo, o serviço é ofertado aos proprietários com apartamentos vazios e sem muita utilização ao longo do ano, com a promessa de ganhos rápidos e sem burocracia. Aos locatários ou hóspedes é oferecido, em contra partida, ótima localização e baixo custo, se comparado com os preços praticados em hotéis e congêneres.

Os imóveis ofertados são mobiliados e com a segurança de um condomínio residencial, em ambiente familiar e acolhedor. O locador é chamado de hóspede e o interessado na locação de anfitrião.

O fato é que essa nova modalidade ou espécie de locação tem causado muita insegurança à comunidade condominial, sendo que a principal reclamação é que esses “hospedes”, por serem pessoas estranhas ao condomínio (estrangeiros em alguns casos), acabam transitando livremente pelas áreas comuns e se utilizando de toda estrutura da edificação (piscina, sauna, salão de festas, churrasqueira, quadras de esportes, etc.). Isso sem falar no aumento das despesas condominiais devido ao maior uso das áreas comuns e dos equipamentos e funcionários do condomínio. Em alguns casos, há superpopulação nas unidades e, noutros, há até mesmo um comércio paralelo de sublocações, para exploração de atividades sexuais, com a frequência de inúmeros desconhecidos nas unidades.

Pois bem, num ambiente estritamente residencial, os condôminos se conhecem e sabem, exatamente, quem mora e quem não mora no Condomínio, diferente do que ocorre em um empreendimento comercial ou hotel, em que circulam diversas pessoas e o controle de acesso é maior que em um residencial.

O período de estadia é muito curto e sequer existe a identificação desses hóspedes, de modo que havendo algum dano ao prédio ou ao condômino, dificilmente serão ressarcidos pelo hóspede que já poderá estar longe. Maior insegurança existe, ainda, com relação aos filhos dos condôminos que circulam livremente pelas áreas comuns junto com esses estranhos.

Ou seja, dá-se uma destinação diversa ou ampliada ao Condomínio, transformando-o numa espécie de hotel, podendo acarretar, como visto acima, diversos transtornos aos seus condôminos, gerando uma situação de insegurança dentro de um ambiente que deveria ter o acesso controlado e uso privativo.

Em tese, o proprietário-locador está dando uma destinação diversa da prevista na Convenção, pois, sendo um edifício residencial, não poderiam serem exploradas atividades lucrativas, semelhante à um hotel.

Segundo dispõe o Código Civil (Lei nº 10.406/2002), é proibido ao condômino alterar a destinação dada à edificação, fazendo uso de forma diversa da prevista em Convenção:

Art. 1.332. Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial: III - o fim a que as unidades se destinam.

Art. 1.335. São direitos do condômino: (...) II - usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores;

Art. 1.336. São deveres do condômino: (...) IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

A alteração da destinação do edifício, somente seria possível mediante a realização de assembleia geral, com quórum de aprovação unânime dos condôminos, nos termos do art. 1.351, do Código Civil, in verbis: “(...) a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos”.

Desse modo, sendo o condomínio exclusivamente residencial, não se poderia, a qualquer pretexto, alterar a sua destinação, sem que antes fosse também alterada a convenção pelo quórum exigido na Lei.

Contudo, ainda há quem defenda não se tratar de uma alteração de destinação, propriamente, pois o imóvel continuaria sendo utilizado para a finalidade de residencial, mesmo que por temporada, diferente do ocorreria em uma locação tipicamente comercial, como na locação de imóveis para fins de escritórios ou consultórios médicos. Ademais, a locação para temporada não é proibida pela Lei de Locações nº 8.245/91, ao contrário, essa situação está devidamente regulamentada no artigo 48, assim destacado:

Art. 48. Considera-se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel. Grifamos.

Com efeito. A locação para temporada se dá por um período curto não superior a noventa dias, pois ultrapassado esse prazo, será considerada locação convencional por prazo indeterminado. Todavia, na locação por temporada tradicional, costuma haver a contratação por um período de locação maior ou de até noventa dias previstos, autorizando a cobrança adiantada dos aluguéis ao locador.

Já nas locações realizadas nesse novo formato de hospedagem, o prazo é muito curto, havendo casos de locações por um único dia ou final de semana prolongado.

Por esse ângulo, igualmente seria afastada a ideia de locação típica para temporada, seja pelo exíguo prazo - em que pese não haver a imposição de contratação por período menor que noventa dias - como também seria descaracterizada pela denominação empregada “hospedagem”, tentando afastar a lei de locações à essa nova modalidade de negócio e aproximá-la a locação com serviços de hospedagem.

Ademais, uma vez que for constado se tratar de um típico contrato de hospedagem, a Lei de Locações, mesmo que para fins de temporada, não se aplicaria, devendo ser aplicadas às regras do Código Civil, para esses contratos de hospedagem em unidades de apart-hotel ou flat, veja-se:

Lei nº 8.245/91:

Art. 1º A locação de imóvel urbano regula-se pelo disposto nesta lei:

Parágrafo único. Continuam regulados pelo Código Civil e pelas leis especiais:

a) as locações: (...) 4. em apart-hotéis, hotéis-residência ou equiparados, assim considerados aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários e como tais sejam autorizados a funcionar.

O TJ-SP sempre afastou o pedido de despejo e declarou o autor carecedor de ação, quando se depara com o contrato de hospedagem, julgando extinta a ação de despejo, orientando que seja manejada por meio de ação de retomada da posse pelo proprietário, confira-se:

Decisão agravada que determinou o cumprimento da liminar de despejo e citação do réu. Insurgência. Contrato firmado entre as partes onde constou se tratar de locação por temporada. Imóvel alugado em condomínio que oferecia diversos serviços, dentre eles, de limpeza e arrumação diária dos quartos, oferecimento de internet grátis, apartamentos mobiliados e a possibilidade de contratação por diárias que revela se tratar de contrato de hospedagem, e não de locação. Inaplicabilidade da Lei do Inquilinato aos contratos de hospedagem em unidades de apart-hotel ou flat (art. 1°, alínea “a”, n° 4, da Lei n. 8.245/1991). Autor da ação de despejo cumulada com cobrança que carece dessa ação. Agravo provido. (Agravo de Instrumento nº 2257382-11.2015.8.26.0000. São Paulo. 35ª Câm. Dir. Privado. Rel. Morais Pucci. J. 22.07.2016).

 

RECURSO. APELAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO C/C COBRANÇA DE ALUGUEIS. Locação de quarto de pensão. Extinção do processo. Artigo 267, I e VI, do Código de Processo Civil. Não se subordina à Lei do Inquilinato o contrato de hospedagem em hospedaria ou pensão, sendo o autor, por isso, carecedor da ação de despejo prevista naquele diploma legal. Sentença mantida. (Apelação nº 1023570-04.2014.8.26.0100. Rel. Ana Catarina Strauch. São Paulo. 27ª Câm. de Dir. Privado. J. 21/10/2014).

 

LOCAÇÃO DE IMÓVEIS - DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO - "APARTHOTEL" (OU FLAT SERVICE") - SUBORDINAÇÃO À LEI DO INQUILINATO (ARTIGO 1% PARÁGRAFO ÚNICO, LETRA "a", N° 4 DA LEI 8245/91) - INADMISSIBILIDADE - RECURSO PROVIDO. Tendo em vista que o contrato celebrado entre as partes é de hospedagem, prevendo os serviços de flat, e que dispõe claramente que sua regência se dará pelo Código Civil, deve ser provido o recurso para se reconhecer a extinção do processo sem resolução do mérito, com base no art. 267 do CPC. (Agravo de Instrumento nº 0048145-49.2007.8.26.0000. Rel: Paulo Ayrosa. São Paulo. 31ª Câm. de Dir. Privado. J. 29/01/2008).

Certamente que o proprietário tem o direito de alugar a sua unidade para quem lhe interessar, pelo período que desejar. Quanto a isso não há discussão.

A questão que se coloca diz respeito aos transtornos gerados àquela comunidade condominial, muitas das vezes sem estrutura adequada, para recepcionar hospedes em grande volume e rotatividade.

Ora, é compreensível que num hotel existe um mínimo de estrutura para recepcionar e administrar as hospedagens, garantindo-se uma segurança própria à edificação. O que não se pode exigir de um síndico de um condomínio modesto.

Ademais, nos condomínios residenciais, tanto o locador quanto os visitantes e hóspedes, deverão respeitar às regras de convivência interna, pré-estabelecidas na Convenção ou Regulamento Interno daquela edificação, de conhecimento público em geral, posto que registrada em cartório de imóveis, gerando o que se chama de efeito erga omnes (para todas às pessoas, indistintamente).

Ao desvirtuar a finalidade do edifício ou, no caso de utilizar a unidade de modo incompatível ou prejudicial com as regras internas impostas a todos os condôminos, estaria o proprietário-locador, assim como o seu hóspede, infringindo as regras do Condomínio, em especial, aquele comando genérico previsto no artigo 1.336, IV, do Código Civil, o qual, assegura a todos os condôminos o direito ao sossego, à segurança, à salubridade e, principalmente, aos bons costumes daquele lugar, vale conferir:

Art. 1.336. São deveres do condômino: (...) IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

Para Biasi Ruggiero[1], a proibição de desvio da destinação visa coibir um uso tão intensivo que exceda o limite do normal em uma residência, evitando que a afluência de pessoas chegue a conspirar contra a tranquilidade e a segurança dos demais ocupantes, a desvalorização patrimonialmente às unidades e a aumentar as despesas com maior solicitação de serviços.

Segundo Hamilton Quirino Câmara[2], a convenção de prédio tipicamente residencial proíbe, via de regra, a utilização das áreas privativas ou áreas comuns com atividades mercantis, não especificando a atividade, pois são inúmeras as possibilidades. Assim, em princípio, estaria proibida a utilização de apartamento em qualquer atividade comercial, ainda que se trate de um atelier. Reforça a proibição a presença constante de pessoas estranhas ao prédio, como empregados, fregueses e fornecedores, o que, geralmente, prejudica a segurança dos demais moradores.

O uso irregular da unidade – e das áreas comuns do condomínio – pelo locatário, por exemplo, pode configurar motivo justo para a rescisão do contrato de locação, podendo o locador promover ação de despejo, por mau uso da unidade, nos termos do art. 23, da Lei de Locações, confira:

Art. 23 - O locatário é obrigado a: II - servir-se do imóvel, para o uso convencionado ou presumido, compatível com a natureza deste e com o fim a que se destina, devendo tratá-lo com o mesmo cuidado com o se fosse seu.

O direito de propriedade não é absoluto. A contrário, sendo constatado um abuso de direito por parte do proprietário quanto ao uso irregular da sua unidade, o Poder Judiciário poderá intervir até mesmo na propriedade privada e restringir o uso prejudicial ou atentatório ao direito de vizinhança.

É o que prevê o artigo 1.277, do Código Civil, ao tratar: “Do direito de vizinhança – do uso anormal da propriedade, in verbis:

Art. 1.277 - O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha. Grifamos.

Na mesma linha é o art. 187 do Código Civil“também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (teoria do abuso de direito).

Como dito alhures, o artigo 1.336 do CC, impõe a cada condômino o dever de não utilizar a propriedade de modo prejudicial, causando prejuízos aos demais condôminos, ao que se refere ao sossego, à salubridade, à segurança e aos bons costumes.

Logo, uma vez identificado que o morador da unidade, seja ele proprietário, inquilino, hóspede ou visitante, está causando prejuízos aos condôminos, deverá o síndico fazer cumprir às regras internas do condomínio, aplicando às advertências e multas previstas na Convenção e no Regulamento Interno.

Frise-se que a multa aplicada ao inquilino (ou possuidor) deve ser imediatamente comunicada ao proprietário-locador, para que este último tome às providências que entender necessárias perante o seu inquilino, inclusive, promovendo ação de despejo com fundamento na quebra do contrato, pois, o inquilino é obrigado a respeitar as regras internas do condomínio, por força do artigo 23, inciso X, da Lei de Locações: O locatário é obrigado a: - cumprir integralmente a convenção de condomínio e os regulamentos internos. Grifamos.

O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já enfrentou caso semelhante, reconhecendo a validade da Convenção que restringia o uso das unidades para locação por temporada ou finais de semana, diante todos os transtornos causados àquela comunidade condominial, em especial, diante a quantidade excessiva de pessoas utilizando os recursos do condomínio, o que causou situação de abuso perante os demais condôminos. Confira-se:

Os autores proprietários de um apartamento de veraneio no condomínio requerido, confessadamente utilizado para locação por temporada ou fim de semana, insurgem-se contra a limitação de ocupantes por unidade residencial, estabelecida em assembleia geral, para os casos de locação ou empréstimo. A convenção condominial estabelece que (...) as unidades autônomas do edifício (...) se destinam exclusivamente a fins residenciais, vedado, portanto, seu uso para qualquer outro fim, tendo cada proprietário o direito de usar, gozar e dispor de sua propriedade exclusiva, como melhor lhe aprouver, desde que não prejudique igual direito dos demais condôminos, e não comprometa a segurança, solidez e o nome do edifício, e nem de às unidades autônomas destinação diversa da finalidade do prédio. (...) Ao que se tem, não estipulou a assembleia geral nenhuma alteração na convenção condominial nem no regimento interno. Ao revés, e sem interferir no direito de propriedade dos autores, apenas fixou regra para casos específicos. Estabelecendo, como lhe era permitido até mesmo por imperativo de segurança e do bom nome do edifício -, diretrizes para hipóteses de empréstimo ou locação a terceiros estranhos ao quadro de proprietários do condomínio. Ademais, a anulação da decisão assemblear perquirida pelos autores confessadamente busca resguardar unicamente a exploração econômica do bem. O que, em assim sendo, além da segurança, deixa de observar o direito dos outros condôminos em não se verem às voltas com toda sorte de aborrecimentos causados pelo excesso de ocupantes nas unidades locadas ou emprestadas, mormente nos festejos de fim de ano e férias (v. G., falta d'agua ocasionada pela excessiva demanda decorrente da desmesurada lotação de unidades). Por outro lado, como bem consignado pela r. Sentença, “a anulação de assembleia de condomínio somente deve ser decretada quando presentes motivos fortes e suficientes que evidenciem ruptura ao sistema legal ou prejuízo concreto à sociedade condominial. Afora esses casos, as deliberações adotadas por coletividade de condôminos, regularmente reunidos em assembleia, devem ser preservadas. Por fim, consigno que a análise de mérito das matérias tratadas nas normas condominiais, uma vez provenientes de deliberações em assembleias, deve-se restringir à legalidade dos comportamentos dos sujeitos nela inscritos, e não à justeza das deliberações, caso em que os interessados deverão se acudir da própria assembleia geral, seara apta a tratar destes assuntos”. (Apelação nº 0020327-73.2012.8.26.0477. Rel. Luiz Ambra. Praia Grande; 8ª Câm. de Dir. Privado; julgado em 19/01/2015). Grifamos.

Cumpre transcrever, ainda, um trecho do V. Acórdão julgado pelo extinto Segundo TAC-SP, em 29.02.2000, nos autos do recurso de Apelação nº 609.498/0-9, da lavra do relator Vieira de Moraes, privilegiando aos interesses coletivos da massa condominial em detrimento ao interesse particular do condômino, fazendo mau uso da unidade naquela edificação:

Por regra encontrada no artigo 10, inciso II, da já citada Lei do Condomínio e Incorporações, é defeso a qualquer condômino usar a unidade de forma nociva ou perigosa ao sossego, à salubridade e à segurança dos demais condôminos. Essa espécie de propriedade, pois, por sua natureza, apresenta restrições ao exercício do respectivo direito muito mais amplas que aquelas preconizadas pela recorrente. “Consoante lição de João Batista Lopes, ilustre magistrado que já integrou esta Corte, no seu Condomínio, “... A vida em comum, no mesmo edifício, sujeita os condôminos a uma disciplina jurídica especial, em que não há lugar para o individualismo ou o egoísmo... Na solução de conflitos, deverá o juiz dar prevalência, sempre, aos direitos da coletividade condominial e não aos interesses de um único condômino, por mais respeitáveis que sejam... Essa orientação se ajusta perfeitamente aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum, na medida em que evita a desarmonia e o dissentimento entre os condôminos, preservando a ordem, a disciplina e a tranquilidade do edifício”. (...) “O exercício da propriedade não pode ser colocado em nível de extremado individualismo, que ignore os interesses coletivos” (in 6a ed. Págs. 153 e 154). Por fim, conclui, “Para que se preserve a harmonia, possível a limitação do número de ocupantes de cada apartamento, desde que o condomínio ou seu representante, com delegação para tal não aja abusivamente.

Verifica-se que o assunto é bastante polêmico e longe está de ser solucionado, pois, o direito de propriedade não pode colidir com outros direitos igualmente protegidos, como o direito de vizinhança e a função social da propriedade.

O abuso no exercício do direito de propriedade deve ser evitado, para que todos possam conviver harmonicamente dentro do condomínio, respeitando a paz, o sossego, a segurança, a salubridade e os bons costumes (art. 1.336, do Código Civil).

A limitação aos direitos da propriedade, em matéria condominial, tem sido difundida pela Teoria da Pluralidade dos Direitos Limitados, ensinada por Wilson Batalha[3], in verbis:

A concorrência de várias propriedades sobre a mesma coisa acarreta, necessariamente, a ideia de limite entre elas. Cada propriedade limita e cada propriedade é limitada. Aí se ensarta o conceito de quota, como medida do limite das diversas propriedades concorrentes sobre a mesma coisa. E esta a única construção jurídica que atende a verdadeira natureza do condomínio. (...). Em outros termos, o condomínio é, na frase expressiva de Sciarloja, uma relação de igualdades que se limitam reciprocamente, uma relação de equilíbrio, que torna possível a coexistência de direitos iguais sobre a mesma coisa na medida em que o exigem as mesmas faculdades atribuídas ao demais. E Oliveiro Bosisio adverte que ‘o direito de propriedade não se divide nem por quotas ideais nem por quotas reais e que, quando se fala em quotas no condomínio, se faz referência à proporção segundo a qual os direitos dos condôminos reciprocamente se limitam. Em substância, a quota é a proporção que representa a utilidade auferida da coisa comum por cada condômino, servindo também para estabelecer a parte de contribuição para as despesas e a parte correspondente a cada um na repartição dos resultados de vendas eventuais. A compressão do direito de cada condômino, em virtude dos direitos dos demais condôminos, não faz desaparecer o conceito de propriedade. A elasticidade do domínio permite que este se comprima e se limite, sem desaparecer (...)’.

Cumpre colacionar um julgado prolatado pelo TJ-RJ, onde já se reconheceu a soberania da ata da assembleia, com base na “teoria da pluralidade dos direitos”, impondo ao condômino que fossem cessadas às atividades de hospedagem, sob pena de multa diária, o que foi mantido pelo Tribunal, confira-se:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. LOCAÇÃO DE APARTAMENTOS PARA TEMPORADA VETADA PELO CONDOMÍNIO. PRAZO PARA CESSAÇÃO DA LOCAÇÃO E MULTA, PARA A HIPÓTESE DE DESCUMPRIMENTO DA CITADA REGRA PROIBITIVA, FIXADOS EM ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA. RESTRIÇÃO AO DIREITO DE PROPRIEDADE RESPALDADA NA TEORIA DA PLURALIDADE DOS DIREITOS LIMITADOS. PRECEDENTE DO E. STJ. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA REALIZADO NA AGE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DO AUTOR.

1. A Convenção do Condomínio, ora Recorrido, prevê a aplicação de multa para o condômino que destinar o apartamento para finalidade diversa do prédio, que é residencial.

2. O Regulamento Interno estabelece o procedimento que deve ser observado na hipótese de aplicação de multa, o termo inicial de sua incidência e a possibilidade de recurso administrativo.

3. Improcedente a alegação do ora Recorrente de que não há previsão nas regras internas do Condomínio, ora Recorrido, que assegurem o exercício da ampla defesa ou interposição de recurso administrativo.

4. O Autor, ora Apelante, compareceu à AGE de 19/12/2013, na qual a locação dos apartamentos por temporada foi vetada, mesmo depois de expor suas razões, tendo sido anotado prazo para encerramento daquela atividade - 30 dias -, sob pena de multa diária prevista no Regimento Interno -, a incidir a partir de 19/01/2014.

5. Contraditório e ampla defesa respeitados na AGE.

6. Termo inicial da sanção pecuniária fixado na ata da AGE: 19/01/2014.

7. Honorários advocatícios de sucumbência reduzidos para R$ 500,00 (quinhentos reais) tendo em vista a pouca complexidade da causa e o trabalho desenvolvido pelos causídicos no processo. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação nº 0075033-03.2014.8.19.0001. Rel. DES. FERNANDO CERQUEIRA CHAGAS. Julgamento:15/04/2015. DÉCIMA PRIMEIRA CAMARA CIVEL).

Portanto, constando casos de abusos e incômodos aos condôminos, o síndico poderá se reunir com os conselheiros e propor a deliberação do assunto em assembleia, apontando os reais prejuízos ao Condomínio e, se for o caso, colocar em votação se o condômino deverá suspender ou não essa pratica, caso considerada prejudicial aos demais, desvirtuando a destinação residencial do empreendimento.

Alternativamente, poderá ser sugerida a inclusão desta proibição, expressamente, na Convenção e no Regulamento Interno da edificação, para que novos proprietários já saibam de antemão as regras de utilização e convivência daquela edificação.

Outra medida que tem sido adotada por alguns Condomínios, como forma de contornar a situação, é de se exigir do proprietário-locador o mínimo de informações possíveis e com antecedência de seus hóspedes, como forma de identificá-los pelo período em que irão permanecer nas dependências do Condomínio, deixando bem claro que eventuais danos causados não será de responsabilidade do Condomínio.

O acompanhamento da entrada e saída dos hóspedes, realizando-se um registro na portaria, cadastrando os dados e contatos daqueles, ajustando a entrega das chaves, também poderia ajudar, mas traria responsabilidades para o síndico, o que é motivo de impasse.

Concluindo, há muito o que se pensar para fins de se tornar esse novo tipo de negócio vantajoso não só para o proprietário que aluga a sua unidade por um valor sedutor, mas também para trazer maior segurança à comunidade condominial, evitando prejuízos ao sossego e aos bons costumes do local e, principalmente, respeito às regras daquele Condomínio, ainda que limite um pouco o direito individual de propriedade de cada condômino.


[1] Questões Imobiliárias. São Paulo: Saraiva, 1997, pág. 73.

[2] Condomínio Edilício. Editora Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2004, pág. 51.

[3] "Loteamentos e Condomínios", 1953, vol. II. P. 22 e segs.


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